quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

A QUÍMICA DO VINHO.

1.  A colheita


A colheita ja é, na verdade, uma etapa posterior a várias outras etapas iniciais, como o preparo do solo, o controle de pragas nas videiras, a irrigação artificial, entre outras.
Na França, ao contrário do Brasil, as videiras não são plantadas em parrerais, com suportes: as videiras são como pequenos arbustros, que crescem livremente. Muitas delas, dependendo do chateau, sao centenárias. Algumas tem mais de 500 anos! Existe uma relação entre a idade da planta e a qualidade do vinho: quanto mais velha, mais enraizada está a videira, e mais chance de sugar nutrientes do solo ela possui. Por consequência, melhor será a qualidade da uva.
Como a uva têm enorme influência sobre o sabor e qualidade do vinho, a colheita precisa ser feita no tempo certo. Uma colheita prematura resulta em um vinho aguado, com baixa concentração de álcool. Ja uma colheita tardia, produz um vinho rico em álcool, mas com pouca acidez. Tão logo a uva é colhida, passa-se à etapa seguinte: o esmagamento.

2. Esmagamento

Outrora feito com os pés dos vinicultores, hoje é um processo mecanizado. Geralmente, as uvas são dispostas em um cilindro metálico perfurado, onde pás giram a mais de 1.200 rpm. No final, as cascas estão separadas das uvas, e se obtem uma grande "sopa" de suco, cascas e sementes. Dependendo do tipo desejado do vinho, opta-se por um diferente processo. Para a produção do vinho tinto, esta sopa é prensada por vários dias, e todo o conjunto é fermentado. Apos alguns dias, o suco é então separado. A parte sólida que resta é chamada de pomace, e pode ser utilizada para o preparo de certos licores.

3. Fermentação

Esta é a etapa mais importante e mais complicada de todo o processo. Aqui, os químicos sao vitais. Entre outros, é necessário um rígido controle da temperatura, supressão de microorganismos indesejados, presença adequada de bactérias de fermentação, nutrição adequada para estas bactérias, prevenção da oxidação, etc.. A escolha da bactéria adequada para o tipo da uva é fundamental, e motivo de discordia entre varios enólogos. A mais comum é a Saccharomyces cerevisae, mas outras espécies deste mesmo gênero tambem tem sido vastamente utilizadas. Para cada ml do suco, utiliza-se uma população de cerca de 1 milhao de células de bactérias!
O controle da temperatura durante a fermentação alcóolica é necessário para (1) facilitar o crescimento das bactérias, (2) extrair os componentes de sabor e cor das cascas, (3) permitir o acúmulo de produtos laterais desejados, e (4) prevenir o exterminio das bactérias.
A temperatura ideal para a maior parte dos vinhos é de cerca de 25ºC. Mas esta etapa raramente é iniciada nesta temperatura, pois a fermentação naturalmente eleva a temperatura do suco, e os vinicultores devem evitar que esta ultrapasse a marca dos 30oC, onde as bactérias morreriam. Hoje este controle é automatizado, sendo que as pipas metálicas contém sistemas de troca de calor, e todo o processo é termostatizado.

O contato com o ar deve ser evitado, do contrário ocorreria a oxidação do vinho. Isto é feito pelo lacramento dos recipientes onde a fermentação é realizada e, algumas vezes, pela introdução de CO2. Após a fermentação, adiciona-se pequenas quantidades de SO2 ou ácido ascórbico, como anti-oxidantes.
Após a fermentação, o vinho é decantado e o líquido sobrenadante é então separado. O vinho está pronto, então, para o segundo processo de fermentação.

4. Fermentação Malolática

Esta etapa é bastante executada na europa, sobretudo na França. No Brasil, entretanto, os vinicultores nao dão, ainda, muito valor para esta fermentação.

O ácido malônico é transformado em ácido lático. O processo provoca a liberação de gás carbônico .

Há muito tempo se sabe que, mesmo finda a fermentação alcóolica, observa-se a evolução de dióxido de carbono do vinho. Há poucos anos, quimicos descobriram que esta segunda fermentação se devia a ação de enzimas sobre o ácido malônico, presente no vinho, e a sua transformação em ácido lático. Neste processo, vários agentes de sabor, muitos ainda nao estudados, são formados. Este processo produz um sabor diferenciado ao vinho; por isso, também, os vinhos franceses são tão diferentes dos demais.
Esta etapa é extremamente caprichosa: se a fermentação for excessiva, os vinhos ficarão aguados, baixos em acidez, e ricos em diacetilas, que podem até mesmo ser tóxicas, quando em excesso. Um grande controle é feito, através de leituras da composição por cromatografia. Quando o ácido malônico atinge um certo patamar; adiciona-se SO2 para inibir esta fermentação.

Um excelente artigo sobre o tema foi publicado em 1999 por pesquisadores da Faculté d'Oenologie, da Université Bordeaux 2. Gilles de Revel (veja, adiante, entrevista com este enólogo) e seus colegas observaram que, além de influenciar decisivamente no sabor do vinho per si, a fermentaçao malônica também auxilia a extração de componentes flavorizantes dos barris de carvalho. O artigo descreve as principais mudanças organolépticas ocorridas com o vinho que sofre a fermentação malônica. (Contribution to the Knowledge of Malolactic Fermentation Influence on Wine Aroma, J. Agric. Food. Chem., 1999, 47, 4003)


5. Afinamento

Uma prática muito antiga, hoje é feita com requintes científicos. Envolve processos como filtração, centrifugação, refrigeração, troca iônica e aquecimento. Nesta etapa, o vinho é clarificado, grande parte dos produtos precipitáveis é extraida, e muitos íons metálicos, que tornam o vinho turvo, são retirados.
O vinho que tomamos é, geralmente, transparente à luz. Mas não é desta forma que ele sai dos barris de fermentação. Muitas proteínas e complexos metálicos o deixam turvo, opaco. Entre as formas atuais de clarificação, encontram-se o uso de colunas de sílica, PVP ou caseína. Nos EUA, utiliza-se cufex, um produto que contém ferrocianato de potássio, para a extração de íons como o cobre e ferro. O uso de bentonita ajuda a remoção de proteínas.
Outro problema é o excesso de tartaratos, que podem precipitar, no vinho. O tartarato pouco solúvel é o de sódio; por isso, modernas vinícolas utilizam um processo familiar aos químicos, o de troca ionica, onde os íons sódio são substituídos por potássio, gerando um tartarato mais solúvel.
Finalmente, o vinho passa por uma pasteurização, onde é aquecido subitamente até cerca de 80ºC e então resfriado. Além de acabar com as bactérias restantes, o método auxilia na precipitação das proteínas que por ventura estiverem no vinho.

6. Envelhecimento

Muitos vinhos tem o sabor melhorado se armazenados por alguns anos. Durante este tempo, a acidez diminui, várias substâncias pouco solúveis acabam precipitando e varios componentes formam complexos afetando o sabor e odor. Uma das formas de envelhecimento mais clássica é a feita em barris de carvalho. Estes barris são porosos, e permitem a entrada de oxigênio e a saída de água e álcool. O vinho tambem extrai componentes da madeira, que influenciam no aroma final. A cada nova safra, os barris devem ser totalmente renovados, do contrário ocorreria a proliferação de fungos ou outros microorganismos indesejáveis.

Vários artigos recentes descrevem o efeito do envelhecimento sobre a composição química do vinho, mas pouco se sabia até alguns anos atrás. O vinho é um excelente meio reacional e, durante o envelhecimento, várias reações químicas podem ocorrer. Entretanto, mais de 90% de todo o vinho consumido no mundo sofre apenas 2 anos de envelhecimento. No Brasil, esta prática nao é comum, e os vinhos sao engarrafados pouco tempo após a fermentação.


7. Engarrafamento

Antes de ser engarrafado, o vinho ainda passa por algumas etapas, que visam corrigir o pH, a cor ou concentração de O2 dissolvido. Muitas vezes, as garrafas são saturadas com CO2 antes de receberem o vinho. Na França, as garrafas sempre são novas e nunca reutilizadas, para evitar a contaminação do vinho por microorganismos estranhos. A garrafa é, em geral, escura, para evitar a fotoindução da oxidação do vinho.

A rolha é muito importante: precisa ser de boa qualidade, senão pode alterar drásticamente o sabor do vinho. Mesmo se utilizando uma excelente rolha, muitos componentes desta acabam sendo extraídos pelo vinho; o mais comum e mais estudado é o 2,4,6-tricloroanisol. J.M Amon e colegas relataram, em um trabalho recentemente publicado, que cerca de 65% dos vinhos contém este composto. Um método para a quantificação desta substância, via cromatografia e espectrometria de massa, foi desenvolvido por Thomas Evans e colegas do Departament of Viticulture and Enology, da University of California (Journal of Chromatography A, 786 (1997), 293).

Fonte e créditos: qmc.ufsc.br

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